segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

BRASIL DE FATO- 8 anos de Jornalismo Popular

Personalidades saúdam a longevidade do jornal e apontam desafios para os próximos anos



24/01/2011
Michelle Amaral, da Redação



No dia 25 de janeiro de 2003, o jornal Brasil de Fato era lançado. O auditório Araújo Viana, em Porto Alegre, estava lotado. Cerca de cinco mil pessoas de diversas nacionalidades saudaram o surgimento do semanal em meio à realização do 3º Fórum Social Mundial.





(Aleida Guevara, Sebastião Salgado, Eduardo Galeano, Hebe Bonafini, Dom Tomás Balduíno, Plínio de Arruda Sampaio entre as figuras presentes no lançamento do Brasil de Fato)



Nascido com a missão de produzir uma visão sobre a política, a economia e a sociedade a partir dos trabalhadores, o Brasil de Fato completa em 2011 o seu 8º aniversário. Este feito, na avaliação daqueles que o acompanham desde o lançamento, é uma vitória a ser comemorada.



O jornalista Daniel Cassol, que fez uma tese de mestrado sobre o Brasil de Fato diz “muitas vezes por divisão da própria esquerda ou dificuldades financeiras, os jornais alternativos fecham”. “No caso do Brasil de Fato, é diferente por esse motivo, por durar bastante tempo. Imagino que seja um dos mais longevos do Brasil na imprensa alternativa”, afirma.



O jornal foi lançado com o apoio da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) e de movimentos como Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Via Campesina, Pastorais Sociais e de outras entidades do movimento social internacional.





(Mais de 5 mil estiveram no ato de lançamento)


Papel


Dom Tomás Balduíno, bispo emérito de Goiás e conselheiro permanente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), avalia que, atualmente, o Brasil de Fato é um dos mais importantes jornais da esquerda brasileira. De acordo com o bispo, “o jornal tem feito o esforço para o qual foi criado”, de ser um registro das lutas populares e aglutinar a sociedade, através de reflexões e críticas, em torno de uma linha de mudança.



Daniel Cassol explica que historicamente os jornais da esquerda acabaram sendo instrumentalizados pela opinião política de determinados partidos e isso acabou resultando na pouca qualidade dos veículos.



“Eu acho que o Brasil de Fato tenta superar isto, faz um jornalismo que é claramente vinculado às transformações da sociedade, se abre de uma forma honesta para os leitores e tenta com seu corpo jornalístico e com seus colaboradores fazer matérias de qualidade e relevância jornalísticas”, define o jornalista.



Cassol afirma que o semanário tem se colocado como uma experiência importante e avançada de jornalismo alternativo e que tem que ser potencializado. “O jornalismo por si só é uma forma de conhecimento, de revelação da realidade e precisa ser liberado, precisa receber autonomia”, defende.

O jornalista destaca o esforço do jornal em produzir reportagens sobre a realidade da população e, ao longo de sua história, manter correspondentes pelo Brasil e em países da América Latina.



Desafios



Dom Tomás conta que o jornal nasceu em um momento propício de avanço, quando se tinha o crescimento de diversas entidades e a esperança da construção de um projeto popular para o Brasil. No entanto, esse quadro foi pouco a pouco sendo arrefecido e a falta de um projeto mobilizador gerou consequências na cobertura do jornal. Segundo o bispo, o que temos é “uma esquerda que hoje em dia não tem a mesma coesão que tinha quando o jornal começou”.



Entretanto, na contramão dessa desmobilização, Dom Tomás salienta que o Brasil de Fato “se consolidou entre nós com uma perspectiva que mantém uma esperança que não está tudo perdido”. Para ele, um desafio que se coloca ao jornal é justamente vencer a desmobilização da sociedade atual, começando por chegar nas camadas mais populares.



Daniel Cassol, porém, ressalta que não é apenas necessário que o jornal amplie a sua abrangência no que diz respeito aos seus leitores, mas também nos assuntos que aborda. “O jornal poderia buscar ampliar o seu leque de informações para não ficar somente centrado na pauta imediata dos movimentos sociais, eu acho que isso contribui, inclusive, para o diálogo com camadas da população mais amplas”, afirma.



Cassol afirma que a internet se coloca como um novo caminho para se fazer o jornalismo. Para ele, o Brasil de Fato “precisa entrar nesse mundo de uma forma autônoma, sem perder de vista o que é um jornal popular, que precisar ser mais lido e mais conhecido pelos setores mais amplos da população”. Nesse aspecto, o jornal tem concentrado esforços para produzir notícias diárias através de seu site na internet. A Agência Brasil de Fato faz a cobertura jornalística utilizando ferramentas online e amplia sua atuação por meio das redes sociais.

VITÓRIA NO CASO CUTRALE: trabalhadores livres e processo trancado



Por meio de habeas corpus[1] impetrado pelos advogados da Rede social de Justiça e Direitos Humanos e do Setor de Direitos Humanos do MST, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por unanimidade, determinou o trancamento do processo crime instaurado na Comarca de Lençóis Paulista/SP contra todos os trabalhadores rurais sem terra acusados da prática de crimes durante a ocupação da Fazenda Santo Henrique – Sucocitrico-Cutrale – entre 28/9 e 7/10/2009.



Os trabalhadores tiveram prisão temporária decretada, que foi posteriormente convertida em prisão preventiva. Os decretos de prisões foram revogados em fevereiro de 2010, por meio de decisão liminar, concedida pelo Desembargador Relator Luiz Pantaleão, mas, a decisão final no habeas corpus, aguardava, desde então, voto vista do Desembargador Luiz Antonio Cardoso.



Para firmarem as revogações das prisões preventivas, os Desembargadores além de entenderem que a Magistrada de primeiro grau deixou de indicar os indícios de autoria em relação a cada um dos acusados, declararam inexistir ocorrências dando conta de que os trabalhadores tenham subvertido a ordem pública.



Por outro lado, determinou-se o trancamento do processo crime sob entendimento de que o Promotor de Justiça, em sua denúncia, não descreveu “referentemente a cada um dos co-réus, os fatos com todas as suas circunstâncias” como lhe é exigido pelo artigo 41 do Código de Processo Penal, de forma que: “Imputa-se a todos a prática das condutas nucleares dos tipos mencionados. Em outras palavras, plasmaram-se imputações em blocos, o que implicaria correlativamente absolvição ou condenação também coletiva. Isso é impossível. Imprescindível que se defina qual a conduta imputada a cada um dos acusados. Só assim, no âmbito do devido processo legal, cada réu poderá exercer, à luz do contraditório, o direito de ampla defesa. (...) Imputações coletivas, sem especificação individualizada dos modos de concorrência para cada episódio, e flagrante contradição geram inépcia que deve ser reconhecida. O prosseguimento nos termos em que proposta a ação acabaria, desde que a apuração prévia deve ser feita no inquérito, não, na fase instrutória, por levar aos Órgãos jurisdicionais do primeiro e segundo grau, um verdadeiro enigma a ser desvendado com o desprestígio do contraditório e da ampla defesa, garantias constitucionais inafastáveis.”



A decisão do Tribunal de Justiça representa importante precedente jurisprudencial contra reiteradas ilegalidades perpetradas contra a luta dos trabalhadores rurais sem terra, contra o ordenamento processual penal, e, sobretudo, contra as garantias constitucionais vigentes. Esperamos que esta decisão se torne cotidiana, para fazer prevalecer o senso de justiça em oposição aos interesses do agronegócio, do latifúndio e dos empresários contrários ao desenvolvimento da reforma agrária que, naquela oportunidade, louvaram os ilegais decretos de prisão contra os trabalhadores.



Rede Social de Justiça e Direitos Humanos

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

II Curso de Realidade Brasileira - ZMata


"O conhecimento exige uma presença curiosa do sujeito em face do mundo.

Requer uma ação transformadora sobre a realidade.

Demanda uma busca constante.

Implica em invenção e em reinvenção".

(Paulo Freire)



O Curso Realidade Brasileira – CRB – é uma atividade de formação política que, a partir dos estudos desenvolvidos por grandes pensadores brasileiros, busca resgatar o pensamento crítico acerca da realidade cultural, econômica, social e política de nosso país.

O Curso se destina a lideranças e militantes de diversas organizações sociais da Zona da Mata mineira, tais como sindicatos, associações comunitárias, movimentos sociais e populares, organizações estudantis, pastorais sociais, entre outras.

Realizado pela primeira vez em Minas Gerais , no ano de 2001, o Curso já contou com mais de 30 turmas em todo o Brasil, sendo seis delas em Minas Gerais: Juiz de Fora (a primeira turma de CRB, foi de âmbito nacional), duas turmas em Belo Horizonte, duas turmas nos Vales do Mucuri e Jequitinhonha e uma em Viçosa. Agora, forma-se a segunda turma do CRB Zona da Mata, a primeira foi em Viçosa 2009, a próxima será em Juiz de Fora 2011.

O CRB, além de ser um importante instrumento de reflexão acerca da realidade brasileira e da Zona da Mata, deve ser também um espaço de articulação política das organizações participantes. Desta forma, esperamos fortalecer as lutas populares na região, através da articulação e da compreensão da realidade para além dos desafios de cada movimento/organização em particular.

O Curso apresenta a proposta de acontecer em dez módulos presenciais, um final de semana a cada mês. Serão estudados textos e obras de pensadores brasileiros que contribuíram na construção de um projeto de sociedade para o Brasil.



As inscrições vão do dia 07/01/2011 ao dia 04/03/2011.

Todas as informações sobre o curso, como fazer as inscrições e a programação estão no site:

http://www.crbzonadamata.webnode.com.br

domingo, 16 de janeiro de 2011

O preço de não escutar a natureza


Artigo de Leonardo Boff 15 de janeiro de 2011


O cataclisma ambiental, social e humano que se abateu sobre as três cidades serranas do Estado do Rio de Janeiro, Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, na segunda semana de janeiro, com centenas de mortos, destruição de regiões inteiras e um incomensurável sofrimento dos que perderam familiares, casas e todos os haveres tem como causa mais imediata as chuvas torrenciais, próprias do verão, a configuração geofísica das montanhas, com pouca capa de solo sobre o qual cresce exuberante floresta subtropical, assentada sobre imensas rochas lisas que por causa da infiltração das águas e o peso da vegetação provocam frequentemente deslizamentos fatais.



Culpam-se pessoas que ocuparam áreas de risco, incriminam-se políticos corruptos que destribuíram terrenos perigosos a pobres, critica-se o poder público que se mostrou leniente e não fez obras de prevenção, por não serem visíveis e não angariarem votos. Nisso tudo há muita verdade. Mas nisso não reside a causa principal desta tragédia avassaladora.



A causa principal deriva do modo como costumamos tratar a natureza. Ela é generosa para conosco pois nos oferece tudo o que precisamos para viver. Mas nós, em contrapartida, a consideramos como um objeto qualquer, entregue ao nosso bel-prazer, sem nenhum sentido de responsabilidade pela sua preservação nem lhe damos alguma retribuição. Ao contrario, tratamo-la com violência, depredamo-la, arrancando tudo o que podemos dela para nosso benefício. E ainda a transformamos numa imensa lixeira de nossos dejetos.



Pior ainda: nós não conhecemos sua natureza e sua história. Somos analfabetos e ignorantes da história que se realizou nos nossos lugares no percurso de milhares e milhares de anos. Não nos preocupamos em conhecer a flora e a fauna, as montanhas, os rios, as paisagens, as pessoas significativas que ai viveram, artistas, poetas, governantes, sábios e construtores.



Somos, em grande parte, ainda devedores do espírito científico moderno que identifica a realidade com seus aspectos meramente materiais e mecanicistas sem incluir nela, a vida, a consciência e a comunhão íntima com as coisas que os poetas, músicos e artistas nos evocam em suas magníficas obras. O universo e a natureza possuem história. Ela está sendo contada pelas estrelas, pela Terra, pelo afloramento e elevação das montanhas, pelos animais, pelas florestas e pelos rios. Nossa tarefa é saber escutar e interpretar as mensagens que eles nos mandam. Os povos originários sabiam captar cada movimento das nuvens, o sentido dos ventos e sabiam quando vinham ou não trombas d’água. Chico Mendes com quem participei de longas penetrações na floresta amazônica do Acre sabia interpretar cada ruído da selva, ler sinais da passagem de onças nas folhas do chão e, com o ouvido colado ao chão, sabia a direção em que ia a manada de perigosos porcos selvagens. Nós desaprendemos tudo isso. Com o recurso das ciências lemos a história inscrita nas camadas de cada ser. Mas esse conhecimento não entrou nos currículos escolares nem se transformou em cultura geral. Antes, virou técnica para dominar a natureza e acumular.



No caso das cidades serranas: é natural que haja chuvas torrenciais no verão. Sempre podem ocorrer desmoronamentos de encostas. Sabemos que já se instalou o aquecimento global que torna os eventos extremos mais freqüentes e mais densos. Conhecemos os vales profundos e os riachos que correm neles. Mas não escutamos a mensagem que eles nos enviam que é: não construir casas nas encostas; não morar perto do rio e preservar zelosamente a mata ciliar. O rio possui dois leitos: um normal, menor, pelo qual fluem as águas correntes e outro maior que dá vazão às grandes águas das chuvas torrenciais. Nesta parte não se pode construir e morar.



Estamos pagando alto preço pelo nosso descaso e pela dizimação da mata atlântica que equilibrava o regime das chuvas. O que se impõe agora é escutar a natureza e fazer obras preventivas que respeitem o modo de ser de cada encosta, de cada vale e de cada rio.



Só controlamos a natureza na medida em que lhe obedecemos e soubermos escutar suas mensagens e ler seus sinais. Caso contrário teremos que contar com tragédias fatais evitáveis.