O PÃO DO POVO
A justiça é o pão do povo.
Às vezes bastante, às vezes pouca.
Às vezes de gosto bom, às vezes de gosto ruim.
Quando o pão é pouco, há fome.
Quando o pão é ruim, há descontentamento.
Quem prepara o outro pão?
Assim como o outro pão
Deve o pão da justiça
Ser preparado pelo povo.
Brecht
Está em curso no Brasil a “Campanha Nacional pelo Limite da Propriedade da Terra”, promovida pelo Fórum Nacional de Reforma Agrária e Justiça no Campo e abraçada por diversas organizações sociais, associações civis, entidades de classe, do campo e da cidade. Um dos métodos da Campanha é a realização de um Plebiscito Popular, uma consulta ao povo sobre o limite da propriedade da terra. Esse texto tem o objetivo de analisar alguns aspectos jurídicos relacionadas à limitação da propriedade da terra no Brasil. Mas antes de adentramos no seu objeto, podemos fazer a pergunta: porque discutir essa questão atualmente?
Os dados do último Censo Agropecuário do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (concluído em 2006, mas divulgado apenas em 2009) revelam que “a concentração na distribuição de terras permaneceu praticamente inalterada nos últimos vinte anos...” (IBGE, Informativo para Imprensa n° 124).
Vamos apontar, de forma sintética, os principais dados do Censo Agropecuário de 2006.
Concentração fundiária.
Estabelecimentos com mais de 1.000 hectares ocupam 43% da área agricultável no país, enquanto aqueles com menos de 10 hectares ocupavam, apenas, 2,7% da área total;
47% das propriedades tem menos de 10 hectares. Enquanto aqueles com mais de 1.000 hectares representavam em torno de 1% do total;
Ou seja, 1% dos proprietários detém 43% da área agricultável no Brasil.
Meio ambiente.
Apenas 1,8% dos estabelecimentos agropecuários praticam agricultura orgânica;
Diminuição de áreas de florestas e de pastagens naturais em estabelecimentos agropecuários: Redução de 12,1 milhões de hectares (-11%) nas áreas com matas e florestas contidas em estabelecimentos agropecuários e diminuição de 20,7 milhões de hectares (26,6%) nas áreas de pastagens naturais.
Educação e assistência técnica.
Mais de 80% dos produtores agropecuários são analfabetos ou não concluíram ensino fundamental: Mulheres analfabetas chega a 45,7%, homens analfabetos são 38,1%; apenas 3% dos camponeses possuem nível superior;
Orientação técnica chega a apenas 22% dos estabelecimentos, sendo mais comum nas médias e grandes propriedades.
Trabalho.
Nos pequenos estabelecimentos estão quase 85% dos trabalhadores;
Mesmo que cada um deles gere poucos postos de trabalho, os pequenos estabelecimentos (área inferior a 200 ha) utilizam 12,6 vezes mais trabalhadores por hectare que os médios (área entre 200 e inferior a 2.000 ha) e 45,6 vezes mais que os grandes estabelecimentos (área superior a 2.000 ha).
Além dos dados oficiais, vejamos alguns dados levantados pela Comissão Pastoral da Terra, correspondente ao período de 1985 a 2009. Também apresentados de forma sintética:
1.546 trabalhadores/as rurais foram assassinados em todo o Brasil em conflitos relacionados ao acesso à terra;
Das 1.163 ocorrência relacionadas a esses homicídios, 85 foram julgados, com condenação de 20 mandantes e 71 executores;
13.815 famílias despejadas, em ações possessórios ou de forma completamente arbitrária;
2.438 ocorrências de trabalho escravo, sendo 163.000 trabalhadores envolvidos.
Ou sej, os dados oficiais e o levantamento da CPT demonstram que nos últimos 20 anos, permaneceu praticamente inalterada a concentração fundiária no Brasil, com suas conseqüências danosas ao meios ambiente, precarização de relações de trabalho, analfabetismo e conflitos sociais.
O Brasil, mesmo nos marcos do desenvolvimento capitalista da agricultura, manteve uma estrutura fundiária concentradora, dificultando ou negando a regularização de posses tradicionais, posses por moradia ou por trabalho. O direito à propriedade da terra é impedido para a maioria da população brasileira.
Fundamentos constitucionais para limitação da propriedade da terra
São objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º da CF): construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Afirma a Constituição que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (art. 5º).
Sabemos que os dispositivos constitucionais não são meros enunciados programáticos. Ao contrário, mesmo as normas principiológicas devem ser concretizadas materialmente e fundamentar a aplicação de outros dispositivos constitucionais e infraconstitucionais.
A limitação da propriedade da terra no Brasil (no exemplo da Campanha, em 35 módulos rurais) terá como conseqüência imediata, uma melhor redistribuição de terras no Brasil, buscando a construção de uma sociedade mais livre, justa e solidária, garantindo as bases para um desenvolvimento nacional. Uma adequada distribuição das terras, certamente irá corroborar para erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Além de buscar promoção do bem de todos.
Limitar a propriedade da terra e destiná-la para reforma agrária será um passo histórico para o desenvolvimento do Brasil e para efetivação, de forma concreta, dos Direitos Fundamentais. Uma conquista do povo brasileiro.
Confissões do Latinfúndio Pedro Casaldáliga
(Bispo Jubilado de São Felix do Araguaia, MT)
Por onde passei,
plantei
a cerca farpada,
plantei a queimada.
Por onde passei,
plantei
a morte matada.
Por onde passei,
matei
a tribo calada,
a roça suada,
a terra esperada...
Por onde passei,
tendo tudo em lei,
eu plantei o nada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário