domingo, 9 de maio de 2010
Vergonha para nossa história
Para o STF, a tortura não é um crime de lesa-humanidade
Decisão da Corte Suprema beneficia torturadores da ditadura e vai contra normas internacionais
No dia 29 de abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) impôs uma derrota aos direitos humanos. Ao decidir que as torturas cometidas durante a ditadura civil-militar se enquadram no rol de crimes políticos, e não comuns, seus autores devem permanecer impunes.
Por 7 votos a 2, a Corte Suprema negou um pedido da Ordem dos Advogados do Brasil para que a tortura não fosse interpretada como “crime conexo” – termo que consta na Lei de Anistia de 1979. Para a OAB, a tortura é um crime de lesa-humanidade e não pode ser configurada como conexo a um contexto político.
Na prática, com a decisão do STF, cria-se uma barreira jurídica quase intransponível para a punição de execuções, torturas e estupros realizados por agentes da repressão de Estado no período da ditadura.
O parecer da instância máxima da Justiça brasileira deve orientar todo o funcionamento do Judiciário sobre o tema. Se algum juiz julgar favoravelmente à punição de um torturador, sua posição deve ser derrubada no STF.
A defesa apresentada pela OAB argumentou que “crimes conexos” são aqueles cometidos por militantes, tais como roubos e assaltos, para exercer uma finalidade política. No caso da tortura, a vítima já estava rendida e sob o controle do Estado.
A decisão do STF gerou repúdio de organizações da sociedade civil e de membros do governo, como o ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi. A Organização das Nações Unidas (ONU) considerou a posição da justiça brasileira como “muito ruim”, por manter a impunidade.
Argumento falho
A principal argumentação dos ministros do STF para a manutenção da interpretação vigente sobre a Anistia foi o fato de a legislação ter sido construída a partir de acordos entre as partes envolvidas e de ela ser um dos pilares da redemocratização do país.
Para a juíza Kenarik Boujikian Felippe, o argumento não procede, já que grande parte das vítimas da repressão política não teve chance de celebrar tal acordo. “A decisão [do STF] deturpou fatos históricos e políticos da Lei de Anistia. Quase todos os ministros fundamentaram o seu voto no acordo ocorrido na ocasião. Mas isso não é um fato jurídico. Em 1979, após uma década e meia de ditadura, muitos tinham sido mortos, exilados, presos e torturados. O país estava em outro contexto”, analisa a magistrada, co-fundadora da Associação de Juízes para a Democracia (AJD).
Ela também aponta que, com a decisão, o STF não reconhece uma norma internacional que conforma a tortura como um crime contra a humanidade. “O conceito de crime contra a humanidade inclui os seguintes aspectos: ato inumano, em natureza e caráter, e ataques sistemáticos e generalizados à sociedade civil, correspondentes com uma política adotada em um determinado momento político. E houve isso no Brasil. A decisão do STF não reconhece que ocorreu crime contra a humanidade, pelo contrário, afirma que eles foram conexos”, define a juíza, para quem o Supremo não levou em conta normas internacionais das quais o Brasil é signatário.
Contexto político
Ivan Seixas, membro do Fórum de Ex-Presos Políticos, aponta que não houve pacto pela Anistia, e sim um acerto entre as elites militares e civis da época. “Os ministros que votaram pela impunidade dos torturadores e assassinos sabem muito bem que nunca houve pactos de Anistia recíproca ou coisa parecida. Houve acordo entre a direita do partido de oposição [MDB] e os responsáveis pela execução do terrorismo de Estado aplicado pela ditadura. Ulisses Guimarães, Tancredo Neves e outros membros da direita do MDB é que se articularam com os militares para que a Anistia fosse aprovada como proposta pela ditadura, que ainda mantinha o aparelho de repressão atuante e ameaçador”, afirma Seixas.
Para ele, a atuação dessas elites visava chantagear a esquerda. “Na época, a grande ameaça era ‘o DOI-CODI pode voltar a matar’, e isso indica que a chantagem era a arma dos inimigos da democracia e do povo e, mesmo assim, não intimidou a esquerda”, lembra.
Por: Renato Godoy de Toledo
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