segunda-feira, 3 de maio de 2010
''Lula levou getulismo ao extremo''
O repasse de R$ 146,5 milhões do governo à seis centrais sindicais reconhecidas pelo Ministério do Trabalho, desde 2008, completou o ciclo de sujeição do sindicalismo ao Estado, iniciado por Getúlio Vargas. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que termina em dezembro após oito anos, levou o getulismo ao "limite extremo". Essa é a avaliação de Ricardo Antunes, professor de sociologia do trabalho da Unicamp. Para Antunes, os trabalhadores sindicalizados perderam uma oportunidade "monumental" de elevar ganhos reais e fortalecer sindicatos e representação social.
A reportagem e a entrevista é de João Villaverde e publicada pelo jornal Valor, 03-05-2010.O pesquisador avalia que não cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF) julgar se o repasse é constitucional ou não, por entender que trata-se de uma questão política. "É o Estado transferindo recursos às centrais. O erro está em os sindicalistas aceitarem", diz. Para ele, é simbólico que a ação impetrada no STF contra o repasse do imposto sindical tenha sido feita pelo DEM.
Eis a entrevista.
As centrais advogam que o repasse do imposto sindical serviu para "reconhecê-las" como integrantes do movimento. Qual o impacto desse repasse?
O imposto sindical foi criado na primeira fase do governo Getúlio Vargas [em 1934, antes da ditadura do Estado Novo], como instrumento de controle dos sindicatos. Até a chegada de Getúlio ao poder, os sindicatos tinham autonomia, tanto política quanto financeira, dependendo exclusivamente dos associados. O varguismo criou o imposto não para beneficiar os sindicatos, mas para estabelecer uma linha direta com eles. Os sindicatos passam a depender do Estado, perdendo a autonomia e a capacidade de convencer seus associados de que é preciso se manter com recursos próprios. Ao ficar prisioneiro do imposto sindical, o caminho de servidão ao Estado se realizou com sindicatos, federações e confederações. O mais grave dos últimos dois anos é que o repasse foi estendido às centrais.
As celebrações do 1º de maio das centrais tiveram participação de Lula e de sua candidata. Foi a primeira vez que isso ocorreu. O imposto sindical atrelou as centrais ao Estado?
Dos anos 1940 até 2008, nenhuma central dependeu do imposto sindical. Mais que isso: as centrais não pediram alvará do governo para existir, elas simplesmente foram fundadas. As festas do 1º de maio se converteram em pão e circo. Nos anos 80 e parte da década de 1990, a CUT promovia atos majestosos, sem imposto sindical e com massas que participavam e se sentiam reconhecidas pela luta no trabalho. Hoje é tudo festa. Há sorteios de automóveis e apartamentos, shows de cantores populares. As centrais se tornaram protagonistas deste pão e circo, financiadas pelo Estado.
A votação pelo fim do repasse às centrais está empatada no Supremo. O sr. antevê o resultado?
Não cabe ao Supremo dizer se o repasse fere ou não a Constituição, que originalmente não previa a repartição às centrais. Esta é uma questão política. Tanto é que quem entrou com pedido contra o repasse foi o DEM. É o Estado transferindo recursos às centrais. O erro está no fato de sindicalistas aceitarem. Sou contra o imposto sindical, mas não é este o papel do STF. Me parece óbvio se tratar de uma questão política, não constitucional.
Qual é o balanço do governo de Lula na questão sindical?
O lulismo recuperou o getulismo sindical e o levou ao limite extremo. Lula completou o processo de sujeição dos sindicatos ao Estado, iniciado por Getúlio. Faltava as centrais para fechar a estatização. Os trabalhadores perderam uma oportunidade monumental de conseguir ganhos e de ampliarem sua representação social. Os ganhos são de pequena monta, e mesmo assim ocorrem por um preço alto, de servidão ao Estado. Não vejo, nas centrais que recebem dinheiro do governo, nenhuma possibilidade de florescimento do novo. Elas, eventualmente, apoiam greves de sindicatos filiados. Mas não fazem por ideologia ou por luta sindical, mas porque, se não fizerem, alguma outra o fará e, com isso, atrairá aquele sindicato. Como a representação conta para ganhar fatia maior do imposto, as centrais esforçam-se para manter e ampliar a base de filiados. É uma luta por dinheiro, não sindical.
Esta "servidão" ao Estado vai se perpetuar no pós-Lula?
Se Geraldo Alckmin (PSDB) tivesse sido eleito em 2006, o repasse do imposto sindical certamente não teria passado. Seria um governo pior para os trabalhadores, certamente, mas, com isso, provocaria um movimento contrário muito forte no movimento sindical. O sindicalismo se desorganizou nos últimos vinte anos, aliando-se ao poder e se tornando pelego. A hora de recomeçar é agora e o primeiro passo seria se desvincular do Estado para recuperar autonomia.
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