Existe absoluto consenso entre técnicos, políticos, autoridades governamentais, lideranças e moradores de favelas de que não pode haver ocupação nas áreas de risco. Por isso, não há resistência por parte dos movimentos de favelas quanto à necessidade de desocupação dessas áreas. Mesmo moradores das áreas de riscos admitem a situação precária e desejam sair dos locais que oferecem perigo.
Assim, é absolutamente espantoso que o governador do estado do Rio (sem a emoção dos “royalties”) e o prefeito da cidade venham discursar apontando moradores, vítimas da tragédia das intensas chuvas no estado do Rio de Janeiro, como responsáveis por sua própria tragédia.
Foi patético o discurso das autoridades afirmando, inflamadas, que moradores não deviam ocupar esses locais. O prefeito criticava “os demagogos” que incentivavam as ocupações em áreas de risco e que nas tragédias desapareciam.
Ouvindo esses discursos, pode até parecer que os moradores de áreas de risco têm uma fixação em “riscos” ou “não têm amor à vida”. Simples. Muito simples.
É necessário chamar a atenção, primeiramente, que não houve uma ação substantiva para o remanejamento dos moradores de áreas de risco. Mesmo os ambientalistas jamais tomaram os moradores de favela como tema propositivo para suas ações. Os diversos governos, tanto estaduais como municipais, fizeram muito pouco (mapeamento das áreas de risco, pequenas ações pontuais, alguns remanejamentos de moradias em áreas de risco) para enfrentar o problema.
Por outro lado, é inegável que a questão da ocupação das áreas de risco está associada, fundamentalmente, à ausência de uma continuada política habitacional orientada para as pessoas mais pobres. É sabido que nos vários períodos em que César Maia ocupou a Prefeitura não foram construídas casas. O Programa Favela Bairro, apesar dos seus inúmeros méritos, ao contrário, “incentivou” indiretamente a ocupação das encostas e das áreas de riscos. A política de “indenização de moradias” pagava indenização, quando necessária a utilização da área ocupada pelo poder, pelas benfeitorias realizadas. Deixava a cargo de moradores a resolução quanto a sua nova moradia. Muitos compraram outros barracos, alguns iam morar em outras localidades e, a maioria, resolvia seu problema habitacional construindo na periferia da favela, muitas vezes em áreas de risco.
A solução encontrada por outros governos, principalmente pelos governos de Antony Garotinho e Rosinha Garotinho, foi a de construir conjuntos habitacionais na periferia das cidades. Esse modelo, já testado desde os anos 1960 com a Cidade de Deus, a Vila Kennedy etc, além de muitas outras questões, desarticula a rede social do morador e gera um custo, principalmente de transporte, incompatível com seus ganhos, o que inviabiliza a alternativa.
A transferência para moradias provisórias não pode ser uma alternativa. Conhecemos casos de famílias que ficaram abrigadas em contêiner durante muitos anos e, ainda, o caso emblemático de famílias na Cidade de Deus que ocuparam, em 1960, habitações provisórias de 12m2 e estão até hoje na mesma situação.
Também é necessário salientar que durante a discussão sobre a implantação dos equipamentos para os Jogos Pan Americanos, que, diga-se de passagem, não envolveu a sociedade civil carioca, alguns setores de governo, particularmente a Caixa, defendiam a construção dos equipamentos nas áreas centrais da cidade, especialmente na área portuária. A Vila Pan Americana foi construída na Barra da Tijuca (para hospedagem de atletas) para ocupação posterior pela classe média. No nosso ponto de vista, deveria ser construída na área central da cidade para posterior ocupação de populações pobres, preferencialmente moradores das áreas de riscos. Fortes interesses impediram essa solução.
Saliento, finalmente, que as obras de urbanização de favelas realizadas por meio do PAC poderiam prescindir de alguns equipamentos extremamente custosos, como o teleférico do Complexo do Alemão e a elevação da via férrea em Manguinhos, para investir em realocação de moradias. Chama a atenção o fato de que as lideranças faveladas insistiram com o governo quanto à priorização nas obras do PAC nas favelas. Não foram ouvidas.
Portanto, iniciativas que deveriam ser tomadas pelos governantes, apesar de debatidas, não foram adiante. Sendo assim, a situação dos moradores de áreas de risco continuou intocada.
Agora, a tragédia do dia 6 de abril retoma de forma inadequada o debate sobre como resolver essa questão. A culpabilização dos moradores é a pior alternativa, por ser inócua.
A conjuntura de tragédia e a realização da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos impõem alternativas estruturais para resolução dessa questão. Uma alternativa é voltarmos à discussão quanto à ocupação da área portuária para a provisão de habitações populares.
Outra solução seria a desapropriação de imóveis no centro da cidade. Todos sabem que há mais de 10 mil imóveis desocupados nessa localidade. Esses imóveis poderiam ser adaptados, prioritariamente, para a moradia das famílias que vivem em áreas riscos.
Todas as opções têm pontos positivos e limitações. Resta, em discussão com a sociedade civil, decidirmos aquela que possa ser viável.
Decididamente, culpabilizar pessoas pobres não é a solução.
Por Paulo Magalhães
Assim, é absolutamente espantoso que o governador do estado do Rio (sem a emoção dos “royalties”) e o prefeito da cidade venham discursar apontando moradores, vítimas da tragédia das intensas chuvas no estado do Rio de Janeiro, como responsáveis por sua própria tragédia.
Foi patético o discurso das autoridades afirmando, inflamadas, que moradores não deviam ocupar esses locais. O prefeito criticava “os demagogos” que incentivavam as ocupações em áreas de risco e que nas tragédias desapareciam.
Ouvindo esses discursos, pode até parecer que os moradores de áreas de risco têm uma fixação em “riscos” ou “não têm amor à vida”. Simples. Muito simples.
É necessário chamar a atenção, primeiramente, que não houve uma ação substantiva para o remanejamento dos moradores de áreas de risco. Mesmo os ambientalistas jamais tomaram os moradores de favela como tema propositivo para suas ações. Os diversos governos, tanto estaduais como municipais, fizeram muito pouco (mapeamento das áreas de risco, pequenas ações pontuais, alguns remanejamentos de moradias em áreas de risco) para enfrentar o problema.
Por outro lado, é inegável que a questão da ocupação das áreas de risco está associada, fundamentalmente, à ausência de uma continuada política habitacional orientada para as pessoas mais pobres. É sabido que nos vários períodos em que César Maia ocupou a Prefeitura não foram construídas casas. O Programa Favela Bairro, apesar dos seus inúmeros méritos, ao contrário, “incentivou” indiretamente a ocupação das encostas e das áreas de riscos. A política de “indenização de moradias” pagava indenização, quando necessária a utilização da área ocupada pelo poder, pelas benfeitorias realizadas. Deixava a cargo de moradores a resolução quanto a sua nova moradia. Muitos compraram outros barracos, alguns iam morar em outras localidades e, a maioria, resolvia seu problema habitacional construindo na periferia da favela, muitas vezes em áreas de risco.
A solução encontrada por outros governos, principalmente pelos governos de Antony Garotinho e Rosinha Garotinho, foi a de construir conjuntos habitacionais na periferia das cidades. Esse modelo, já testado desde os anos 1960 com a Cidade de Deus, a Vila Kennedy etc, além de muitas outras questões, desarticula a rede social do morador e gera um custo, principalmente de transporte, incompatível com seus ganhos, o que inviabiliza a alternativa.
A transferência para moradias provisórias não pode ser uma alternativa. Conhecemos casos de famílias que ficaram abrigadas em contêiner durante muitos anos e, ainda, o caso emblemático de famílias na Cidade de Deus que ocuparam, em 1960, habitações provisórias de 12m2 e estão até hoje na mesma situação.
Também é necessário salientar que durante a discussão sobre a implantação dos equipamentos para os Jogos Pan Americanos, que, diga-se de passagem, não envolveu a sociedade civil carioca, alguns setores de governo, particularmente a Caixa, defendiam a construção dos equipamentos nas áreas centrais da cidade, especialmente na área portuária. A Vila Pan Americana foi construída na Barra da Tijuca (para hospedagem de atletas) para ocupação posterior pela classe média. No nosso ponto de vista, deveria ser construída na área central da cidade para posterior ocupação de populações pobres, preferencialmente moradores das áreas de riscos. Fortes interesses impediram essa solução.
Saliento, finalmente, que as obras de urbanização de favelas realizadas por meio do PAC poderiam prescindir de alguns equipamentos extremamente custosos, como o teleférico do Complexo do Alemão e a elevação da via férrea em Manguinhos, para investir em realocação de moradias. Chama a atenção o fato de que as lideranças faveladas insistiram com o governo quanto à priorização nas obras do PAC nas favelas. Não foram ouvidas.
Portanto, iniciativas que deveriam ser tomadas pelos governantes, apesar de debatidas, não foram adiante. Sendo assim, a situação dos moradores de áreas de risco continuou intocada.
Agora, a tragédia do dia 6 de abril retoma de forma inadequada o debate sobre como resolver essa questão. A culpabilização dos moradores é a pior alternativa, por ser inócua.
A conjuntura de tragédia e a realização da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos impõem alternativas estruturais para resolução dessa questão. Uma alternativa é voltarmos à discussão quanto à ocupação da área portuária para a provisão de habitações populares.
Outra solução seria a desapropriação de imóveis no centro da cidade. Todos sabem que há mais de 10 mil imóveis desocupados nessa localidade. Esses imóveis poderiam ser adaptados, prioritariamente, para a moradia das famílias que vivem em áreas riscos.
Todas as opções têm pontos positivos e limitações. Resta, em discussão com a sociedade civil, decidirmos aquela que possa ser viável.
Decididamente, culpabilizar pessoas pobres não é a solução.
Por Paulo Magalhães
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